30.11.07

::::Reflexões::::

Nadir Afonso

Desde os primeiros tempos da história da humanidade que o homem sente uma vontade maior de satisfazer as suas necessidades estéticas, seja para invocar protecção divina ou simplesmente para saciar o desejo de contemplação artística. É uma carência intrínseca à própria natureza dos seres humanos. O Homem produziu e sempre produzirá artefactos artísticos e obras de arte – entendendo-se estas últimas como quaisquer objectos executados pelo homem que revelem os seus anseios, as suas preocupações, a sua individualidade e, inevitavelmente, o seu tempo. Porém, raras vezes assistimos a criações intemporais que apesar de reflectirem o tempo em que foram executadas ultrapassam as barreiras desse mesmo tempo.
O Homem domina e produz o gosto das sociedades em que vive. Até ao século XX os acontecimentos e a produção artística de uma determinada região poderiam levar anos ou mesmo séculos a chegar a outros países e continentes. No século XXI esta limitação não existe. A Internet, enquanto rede global, é uma importante ferramenta de trabalho que possibilita o conhecimento imediato de acontecimentos a nível universal e é o meio de difusão privilegiado para a divulgação do conhecimento em geral. Os Homens estão cada vez mais próximos dos seus semelhantes.
Os fenómenos artísticos encontram no espaço virtual um veículo privilegiado para a sua disseminação. Actualmente as obras de arte e os acontecimentos realizados num determinado ponto do globo são susceptíveis de influenciar outras obras e/ou acontecimentos numa outra geografia distante. Descobrir a obra de um artista cerca de 250 anos depois da sua morte, como aconteceu com a obra de Caravaggio, dificilmente voltará a acontecer. Nunca mais um artista de primeiríssima água ficará na sombra durante tanto tempo.
Os fenómenos artísticos sofreram paulatinamente ao longo dos séculos várias transformações. A arte hoje pode abranger formatos, técnicas e meios de produção substancialmente mais abrangentes e nunca antes imaginados. Também o intemporal trinómio: artista - obra de arte – mecenas – se viu adaptado a uma nova realidade até porque há cada vez mais arte a ser financiada e muitos mais artistas a produzir.
Conhecer a obra de arte é hoje um dos objectivos da história da arte e está directamente ligado à sua principal missão – conhecer o próprio Homem. Falamos de um conhecimento que pressupõe, necessariamente, uma interdisciplinaridade e uma multicomplementaridade entre saberes. Não é possível ao historiador da arte apreender isoladamente o fenómeno artístico, até porque cada obra reveste-se de uma multiplicidade de especificidades que fogem ao campo do saber de um só indivíduo. O estudo de um fenómeno artístico obriga a um conjunto de conhecimentos que dificilmente se congrega numa só pessoa ou numa só disciplina. Torna-se, portanto, necessário a troca de conhecimentos para que se consiga apreender a dualidade da obra de arte - a obra de arte enquanto objecto e a obra de arte enquanto objecto de fruição estética. Ou seja a obra de arte enquanto objecto material e a obra de arte enquanto objecto imaterial.
O estudo do fenómeno artístico progride segundo etapas previamente estabelecidas. Se por um lado a parte material é muitas vezes fácil de apreender, seja por se tratar de uma pintura ou uma escultura, o significado da obra em si pode ser de difícil acesso. Referimo-nos à parte imaterial, ao significado último do fenómeno. Um tema religioso pintado numa tela ou uma escultura de um santo nem sempre pretende levar ao observador apenas uma imagem. Muitas vezes é necessário descodificar os sinais que o artista deliberadamente não deixou acessível a todos os observadores e na maioria dos casos é mesmo necessário descobrir o próprio artista. Neste sentido colocam-se desafios extremamente interessantes que incitam a procura de respostas a perguntas como: quem fez? para colocar onde? porquê? quem mandou fazer? A busca da individualidade do artista, o contexto, o espaço e o tempo em que as obras foram executadas são igualmente desafios interessantes que obrigam a um estudo aturado por parte do historiador da arte.
O conhecimento da obra em profundidade é fundamental pois só dessa forma é possível protege-la, divulgá-la, conservá-la e legislar sobre ela. É um conhecimento vital para o presente e para o futuro do fenómeno artístico e, sobretudo, para o conhecimento do próprio Homem – a missão por excelência da história da arte.

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